100 anos da Revolução Russa PD_ESPECIAL | Page 168

Hoje, ao contrário, devemos levar em conta que as coisas não são assim. A permanência da China comunista, como quer que a definamos, nos obriga a ver a continuidade desses regimes, mesmo no novo século. É obvio que a China abandonou a organização econômica de tipo socialista e atualmente representa uma econo- mia capitalista integrada à economia mundial, mas a sua concep- ção de Estado e a capacidade de dirigir a modernização por meio da máquina estatal derivam diretamente do comunismo. Para o bem ou para o mal, é esta a principal herança do comunismo. Isso se vê também na Rússia de Putin, onde a herança do comunismo soviético é subterrânea, mas não menos forte. Se Putin é o novo czar, como agora é moda dizer, a referência do seu autoritarismo estatal não é Nicolau II, mas diretamente Stalin, ou seja, uma ideia de Estado com uma precisa fisionomia naciona- lista, em continuidade com o comunismo soviético. Por outro lado, à capacidade de modernização autoritária, dirigida pelo Estado na China e parcialmente na Rússia, corresponde a ausência de qualquer legado cultural. Hoje, não existe em nenhuma formação da esquerda mundial uma herança ideal específica de derivação comunista: a aspiração à igualdade e à emancipação já era patri- mônio do movimento socialista e não se pode definir certamente como produto do comunismo. AR – Mas se poderia falar de um legado específico do comu- nismo ocidental? SP – Tudo o que ocorreu, depois do fim da guerra fria, demonstra que o comunismo ocidental nunca representou um sujeito significa- tivo, incisivo e identificável como tal. Só vale a pena refletir sobre a Itália, único país onde o comunismo europeu deixou uma marca nacional. Aqui, o pós-comunismo constituiu um protagonista da segunda república, com todos os seus limites, e um recurso da democracia italiana, sobretudo se considerarmos a defesa das insti- tuições republicanas e os valores da integração europeia e suprana- cional. Mas não é casual que esse legado não tenha se traduzido tanto na capacidade de dar vida a verdadeiros sujeitos políticos quanto na obra e no testemunho de algumas personalidades, entre as quais a principal me parece a de Giorgio Napolitano. AP – Eric Hobsbawm sustentava que, se o comunismo não alcançou os seus objetivos, certamente obrigou o capitalismo a se renovar. SP – É uma afirmação que tem certamente fundamento, no sentido de que, no curso do século 20, seguiu-se ao medo do 166 Silvio Pons