100 anos da Revolução Russa PD_ESPECIAL | Page 142
A revolução socialista de 1917 na Rússia, país atrasado com
vastos contingentes rurais (“um oceano de camponeses”, na
expressão de Lenin), significa para ele o exemplo de um processo
de transformação social doutrinariamente dirigido que perde os
seus “fins últimos”. Furtado descreve o êxito da União Soviética
como um crescimento econômico alcançado “com base parcial-
mente em métodos anti-humanos”, enumerando as “expropria-
ções dos excedentes agrícolas, destinados a financiar o desenvol-
vimento industrial, feitas manu militari” mediante “coletivização
compulsiva e repressão violenta de toda resistência” (Furtado,
1962a, p. 21). Registra que o “método drástico” da apropriação
direta do produto excedente do setor camponês, realizada por
“método administrativamente mais fácil”, resultou no “enorme
preço em vidas humanas” (Furtado, 1962a, p. 21-22). E realça
também o fato de que esse tipo de avanço econômico “tem sido
acompanhado de formas de organização político-social em que se
restringem, além dos limites do que consideramos tolerável, todas
as formas de liberdade individual”. (Furtado, 1962a, p. 22).
O rápido crescimento da economia soviética se difundira no
mundo dos Partidos Comunistas (PCs) e fora dele como modelo
exitoso. Furtado vê essa tese como uma questão “obscurecida”
por “uma confusão de conceitos, inconsciente ou propositada”
(Furtado, 1962a, p. 24). O essencial nessa discussão, volta a
dizer, é que façamos “uma clara distinção entre aqueles objetivos
últimos, dos quais não devemos nos afastar na luta pelo aperfei-
çoamento das formas de convivência – os quais foram incorpora-
dos à filosofia de Marx, mas constituem elementos de uma concep-
ção do mundo mais ampla e em gestação no Ocidente desde o
Renascimento – das técnicas elaboradas para a consecução total
ou parcial desses objetivos” (Furtado, 1962a, p. 24-25). Ele se
refere ao marxismo-leninismo como uma doutrina que postula
uma revolução “inevitavelmente violenta” sob a liderança de um
partido de “revolucionários profissionais” (a propósito, ver Que
Fazer?, de Lenin, 1902). Uma revolução cujo fim era construir
“uma nova ordem que deverá ser assegurada por um regime dita-
torial, o qual perdurará durante um período de duração indefi-
nida”; “forjada e aperfeiçoada na luta pela destruição de uma
estrutura político-social totalmente rígida, a tzarista”. (cf.
Furtado, 1962, p. 25).
Furtado também menciona os países da Europa central, onde
revoluções “de fora para dentro” mostraram que as “grandes máqui-
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Raimundo Santos