100 anos da Revolução Russa PD_ESPECIAL | Page 107

um marxista singular, não era só um método de produção revo- lucionário ou uma nova concepção de fábrica, implantada pelo fordismo, mas uma matriz de comportamentos individuais e um projeto de sociedade mais racional. No entanto, para a maior parte dos marxistas, a falsa percepção de catástrofe iminente impediu a compreensão do modo como o capitalismo se autorre- formava e seguia adiante com êxito, especialmente quando o idioma liberal era falado com sotaque universalista. Sirvam como exemplo algumas experiências já dos anos 1930, como o New Deal rooseveltiano, e as do segundo pós-guerra, quando as socialdemocracias, secundadas em alguns casos por poderosos partidos comunistas, capitanearam as modificações que desa- guaram na “era de ouro” do capitalismo reformado. Difícil fazer um balanço equilibrado da trajetória comunista. No poder, o modelo bolchevique produziu estruturas autoritárias ou, reconheça-se, totalitárias, que afinal se mostraram frágeis e ruíram. Fora do poder, deve-se admitir que aquela trajetória teve luzes às vezes intensas. O próprio Ingrao, cuja capacidade auto- crítica destacamos, constatou a ação positiva dos comunistas na organização de uma classe – a dos trabalhadores, mas não só – e na sua integração à sociedade inclusiva, ampliando regras e valo- res da democracia – rigorosamente, um bem coletivo. Eric Hobsbawm convidou-nos a uma visão livre de uma das muitas ironias que a História, essa dama caprichosa, acabou por nos reservar: o fato de a revolução russa, que parecia encarnar o mais temido dos fantasmas, na verdade ter salvado duplamente a civilização “adversária”. Na guerra, aniquilando Hitler; na paz, estimulando, até pelo medo de algum novo evento revolucionário, sua reforma e sua capacidade de se expandir além da feição origi- nal. Descartado cabalmente o método da violência, o papel demo- cratizador dos velhos comunistas, no Ocidente, deveria ser lembrado por todos nesta hora difícil. 1917 105