100 anos da Revolução Russa PD_ESPECIAL | Page 103

Tupã e passara por tantas agruras pessoais e políticas, disse-me sem mais delongas: “meu filho, o partido está morrendo, não consigo recrutar mais ninguém!” Era a tradução de que o poder de atração do "socialismo real" deixara de existir com o colapso do Leste Europeu. Por causa dessa conversa, escrevi um artigo para o Jornal do Brasil defendendo uma renovação radical no PCB, com o aban- dono do símbolo da foice e do martelo e a mudança de sigla. Malina soube do artigo quando passei o jornal para ele, num comício de Roberto Freire, na Cinelândia, em plena campanha presidencial de 1989. Ficou muito contrariado. Eu era o coordenador do grupo encarregado de elaborar as teses do 9º Congresso do PCB, da qual participavam os historia- dores Alberto Aggio e José Antônio Segatto e os economistas Eduardo Rocha e Raul Paixão. Durante oito anos, convivera com Malina quase diariamente, na sede do partido em São Paulo, e sabia que ele comungava do mesmo ponto de vista, mas precisava convencer os demais dirigentes históricos do PCB de que era preciso dar um passo audacioso nessa direção. Atalhar a discussão, na sua avaliação, organizaria a resistên- cia interna antes que a maioria no Comitê Central estivesse consolidada. Ele tinha certa razão, mas a pressão para a mudança precisaria ser feita de fora para dentro, porque a força de inércia do dogmatismo era grande. A mudança não seria possível com uma discussão intramuros. Os trunfos da renovação, porém, eram a liderança de Roberto Freire, que seria o sucessor natural de Malina depois do congresso, e de seu candidato a vice, o médico sanitarista e cien- tista Sérgio Arouca. Foi dramática a reunião do Comitê Central do PCB que aprovou as teses do Congresso, intituladas “Novo socialismo, novo partido". Velho judeu comunista, herói da Força Expedicionária Brasi- leira (FEB) na tomada de Montese, na Itália, Malina teve um papel decisivo na direção partidária e no congresso. Ele era um dos que mais estudava os novos marxistas, lia os anglo-saxões nos origi- nais em inglês. Havia ficado dois anos preso, na década de 1950. Nesse período, na cadeia, porém, só podia ler a Bíblia. Sua inter- venção foi inspirada na saga dos hebreus: “As mudanças no capi- talismo ainda estão em curso, não temos massa crítica para produzir uma nova síntese teórica. Mas temos algumas bandeiras Eles eram justos e puros 101